Questão de ordem

Este Artigo foi publicado ontem no ZH.Achei ele muito interessante.

Esta foi a questão de ordem que apresentei ontem, na sessão do Pleno do Tribunal de Contas do Estado: Senhor presidente deste Tribunal de Contas. Ninguém nesta Casa, salvo algum titular de cargo em comissão, nasceu na década em que nasci. Sou o mais velho de todos; todos vieram ao mundo depois de mim. Também por isso - mas por muito mais também - , não tenho mais idade para ouvir as acusações que se fazem a esta Corte e permanecer em silêncio. Não mais silenciarei.

Entre preocupado e perplexo, vejo nossa generalizada lenidade trazer-nos sérias imprecações do público - interno e externo. Não sou surdo e nem alienado da realidade que me rodeia; eu a ouço e a vejo. Na última sexta-feira, horas antes do novo escândalo trazido a público pelo vice-governador do Estado - e nossos escândalos já não são escândalos; são rotina, banalizaram-se - , o editorial de Zero Hora assim publicava:

"Os desfalques nos cofres públicos do Rio Grande revelam que as onerosas estruturas de fiscalização custeadas pelos contribuintes falharam de forma flagrante, por omissão, incompetência ou má-fé, o que exige mudanças radicais. A conivência reforça a importância e a urgência de se repensar o setor público. Sem prejuízo das responsabilizações, é preciso levar adiante uma profunda revisão dos caminhos do dinheiro e das mãos pelas quais circula, mas sobretudo dos organismos cuja razão de ser seria justamente zelar pelo bom uso de verbas oficiais".

Repito o editorial: "É preciso levar adiante uma profunda revisão dos organismos cuja razão de ser seria justamente zelar pelo bom uso de verbas oficiais".

Ora, senhor presidente deste Tribunal de Contas, supostamente guardião da legalidade. A mim me importa que em tribunais do país exista descarada venda de sentenças, embora juízes corruptos já estejam na cadeia. A mim me incomodam essas onerosas estruturas de fiscalização, custeadas pelos contribuintes, como posto no editorial citado, indiferentes às deformidades encontradiças no serviço público, à formação de quadrilhas, ao peculato, à prevaricação e ao enriquecimento em licitações fraudulentas. A mim me comove esta Corte ser acusada do uso de carros oficiais à disposição de familiares de autoridades, equipados com placas frias, das viagens de turismo à custa do erário e das centenas de milhares de reais em diárias para cada viajor. A mim me desgosta ver essa Corte acusada de ignorar o uso gracioso de imóveis, telefones, computadores e outros bens públicos a serviço de instituições privadas, e ainda assim ser contemplada com a inútil, desnecessária, oca e caríssima certificação ISO 9001, galardão decantado por nossas falsas excelências. A mim me perturba dizerem que somos doutores em condecorações, medalhas, diplomas, quadros comemorativos e outras superfluidades, mas não somos eficazes em nossas competências. A mim me aflige ver esta Corte acusada de burlar a Constituição mediante a troca de cargos públicos entre familiares de membros de um órgão com parentes de outros - "emprega a minha mulher que eu emprego o teu filho". A mim me choca ver-nos acusados de ignorar concursos públicos fraudulentos, com denúncias públicas não processadas, e olvidar as aquisições de medicamentos a preços extorsivos para cobrir propinas de agentes públicos corruptos. Já não suporto ouvir dos maus administradores a mesma frase pronta e requentada: "Mas as minhas contas foram aprovadas pelo Tribunal de Contas". A própria governadora do Estado acaba de repeti-lo, como se isso fosse salvo-conduto e remédio para todas as mazelas que nos cercam por todos os lados.

Não podemos merecer a pecha de assegurarmos aos delinqüentes a impunidade tão sonhada. E não há de nos bastar essa demagógica e milionária cruzada nacional contra a corrupção, farra comemorada justamente pelos beneficiários do assalto ao bolso do contribuinte.

*Auditor substituto de conselheiro Aderbal Torres de Amorim