quinta-feira, abril 15, 2010

Inocentes e culpados

Saudade da infância. A gente fazia molecagens e depois bastava confessar e rezar três ave-marias para ficar quite com Deus. Quando criança, meus pecados eram matar aula ou brigar com meu irmão, e eu imaginava que se meus pecados começassem a se tornar mais radicais, o pior que poderia me acontecer era ter a pena elevada de três para 18 ave-marias.
Dava pra suportar. E assim a Igreja ia me educando para a impunidade, bem diferente do que faziam meus pais: quando eu errava, eles me deixavam sem tevê, sem brincar na rua e sem refri. Isso, sim, era um castigo medonho, mas que visava à reabilitação.
Hoje leio que a Igreja, desastradamente, anda associando pedofilia a homossexualidade, e que um dos castigos propostos é fazer com que o clérigo pecador isole-se e passe a vida entre preces. Quantas ave-marias pra ele?
Abusar de crianças é um escândalo em qualquer circunstância, não importa o motivo do crime e quem o cometeu. Todos os perversos possuem suas razões: ou também foram abusados quando meninos, ou foram abandonados pela família, ou são cruéis por natureza, ou não receberam nenhum princípio moral ou ético, ou passaram por privações, ou são doidos de pedra. O que induz à ação criminosa não é a inclinação sexual do sujeito, mas sua ausência de civilidade.
O Vaticano tem se preocupado em explicar a quantidade incômoda de padres pedófilos denunciados, mas, antes de tentar explicar, deveria julgar e, comprovado o crime, condenar. Punir. Prender. O fato de serem representantes de Deus não pode servir como atenuante, ao contrário. Está-se diante da hipocrisia sacramentada, do “vinde a mim as criancinhas” sem levar em conta nenhum dos preceitos que regem (ou deveriam reger) a religião, qualquer religião.
Enquanto houver condescendência, não haverá paz.
A redução da violência passa pela punição imediata. Falamos muito em investir em educação e esse é o principal caminho, lógico, mas é uma solução a longo prazo.
Para corrigir o agora, tem que se dar o exemplo agora. Vale para o casal Nardoni, vale para o estuprador assassino de Luziânia, vale para o fazendeiro que matou a missionária Dorothy Stang, vale para os mandantes e executores de Eliseu Santos e vale para todos os que escapam da lei porque não há policiais suficientes, nem servidores, nem dinheiro, nem equipamentos, nem espaço nas cadeias e, principalmente, por não termos a cultura do Tolerância Zero.
Tolera-se quase tudo e, o que não se tolera, esquece-se com o tempo.
Aquelas três ave-marias que me mandavam rezar por ter matado aula ou brigado com meu irmão eram inúteis. Não havia crime, não havia pecado: havia inocência.
Não sei o que os adultos hoje dizem no escuro dos confessionários, o que os padres escutam por trás das treliças, só sei que Deus, em sua infinita bondade, perdoa fácil qualquer delito, seja o de uma criança que disse um palavrão até o de um adulto que admite um estelionato, basta ajoelhar, rezar e declarar-se arrependido.
Não por acaso, Arruda saiu da prisão anteontem recepcionado por orações, abençoado seja. Mas, sinceramente, troco a redenção divina pela Justiça terrena, que está fazendo mais falta.
Martha Medeiros
Fonte:Zero Hora

13 comentários:

Ana Cristina Quevedo disse...

Excelente texto da Martha Medeiros.
Como procurar ajuda e perdão em uma instituição que peca por não punir e ainda esconder seus pecados.

Todos erramos. Mas para cada erro, um castigo a altura.

Beijo

Ju Fuzetto disse...

Texto ótimo!!!

Lindo dia pra vc flor!!

beijocas

Ana Lucia Franco disse...

Oi, Mariana,

Sempre nos brindando com um excelente texto. Gosto bastante da Martha Medeiros.

bjs.

angela disse...

concordo com as ponderações da jornalista, mas não podemos esqueer que a puniçao cabe ao estado e não a igreja, ela é regida pelo perdão o que foi um grande avanço para a humanidade. O que ela não pode fazer é tornar-se cumplíce dos crimes e creio que é por isso que tem tentos pedófilos, eles tem a possibilidade de "cuidar" de crianças desamparadas(( ninguém duvida que este é um crime de covardes) e se forem descobertos terão a proteção do clerigo que por sua vez tem horror de discutir a sexualidade e os pecados de seus padres.

ValériaC disse...

Mariana, excelente o texto da Martha...creio que tudo o que se planta um dia há de se colher...seria a chamada justiça "Divina" e sei que é verdadeira ...mas enquanto ela não é aplicada, creio que a justiça dos homens deva ser feita, sempre que preciso.
Te deixei recadinho no blog(novo)...
Beijos...

Wanderley Elian Lima disse...

Todos os fatos levantados por Martha nesse excelente texto, me deixam indignado. De todos o que mais me causa pavor é a frase desse tal papa,
que o problema não é a pedofilia e sim a homossexualismo, como se todo homossexual fosse pedofilo. Essa é uma maneira prática e conveniente de se "resolver" o problema e justificar suas barbaridades. Parabéns por publicar o texto.
Beijos

Úrsula Avner disse...

Oi Mariana, tembém tenho saudades da infância... e como ! Obrigada pelo seu carinho lá no meu cantinho. Bj.

Eliane disse...

Texto ótimo!
Beijinhos!

chica disse...

Martha abordou esses temas muito bem, como de costume! É fooooooooooogo!!!beijos,tudo de bom,chica( quanto ao gato, não te assusta! Ainda estás longe demais da velhice,rssrsr)

Cândida Ribeiro disse...

Mariana,

um belíssimo texto... agradeço a sua partilha.
Há sempre uma punição para quem comete erros...que estes também sejam punidos e que com mais aceitação possam ser perdoados.
Deus tudo perdoa, mas também temos que fazer a nossa parte. Lembro-me bem dessas ave-marias que rezava quando era pequena como penitência dos pecados que não eram pecados.
Algo tem que mudar na Igreja e a confissão... porque não fazê-la directamente a quem está sempre connosco?

um abraço cheio de luz

Guará Matos disse...

Gostei do que li.
O cardela que associou pedófilos aos homossexuais, no mínimo foi uma besta! Aliás, o que algumas religiões tem escorregado na imoralidade, tem sido um "must!. E por coincidência, as cristãs lideram o ranking da pouca vergonha!
De um lado "pastores" vagabundos, desonestos, ordinários e larápios. Do outro, padres tarados, cardeais imbencilóides e um Papa que a cada declaração, destila um pouco de facismo.
A última de "Sua Santidade" foi criticar as misturas a micigenação da fé brasileira. Critou o sincretismo religioso como se fosse crime contra Deus e Jesus. Estapafurdia essas declarações.
Estamos alçando novos etapas e tudo indica que o preconceito tende a crescer.
Bjs.

ONG ALERTA disse...

Infelizmente as pessoas estão perdidas...paz.

Daniel Savio disse...

Com certeza é algo grave, mas também a quantidade de pedofilos pode ser explicado devido ao não castigo que o pessoal não recebe...

Fique com Deus, menina Mariana.
Um abraço.