sexta-feira, abril 23, 2010

50 milhões de figurantes

Todas as manhãs, dirijo pelo mesmo trajeto e fico engarrafada numa mesma esquina, onde há uma obra atrapalhando o trânsito. Mas nada se compara com a dificuldade de uma moça que diariamente atravessa a rua bem em frente ao meu carro. Seria fácil para ela caminhar sobre a parte esburacada da obra e cruzar de uma calçada a outra enquanto o sinal não abre. Seria fácil se ela caminhasse, mas não caminha. Anda numa cadeira de rodas.
Todos os dias, eu presto atenção nela, em como maneja bem sua cadeira, em como parece estar acostumada, apesar de todo o esforço. Naturalmente, me vem à lembrança a personagem de Alline Moraes em Viver a Vida. E me pergunto: não fosse a personagem da novela, eu prestaria tanta atenção assim? Quantas cadeirantes já cruzaram meu caminho e eu não percebi?
Assistindo a uma entrevista da vereadora e psicóloga Mara Gabrilli, também cadeirante, descobri que no Brasil há cerca de 50 milhões de pessoas que possuem alguma deficiência, seja motora, auditiva, visual, mental ou mesmo as deficiências degenerativas da idade, que comprometem o ir e vir autossuficiente. Não é um milhão, nem são dois: são 50 milhões.
Você tem cruzado por essas pessoas pelas ruas? Sim, todos os dias. Mas cruzar por elas não significa enxergá-las.
Não acho que as novelas precisem se engajar em causa alguma, estão aí para entreter, passar o tempo, porém, quando conseguem colocar na trama uma personagem peculiar, que não representa apenas a santinha ou a vilã clássicas, mas que foge do estereótipo, nossos olhos se abrem para uma condição que a gente se acostumou a não ver.
Ainda que a realidade da personagem da novela seja diferente da realidade da maioria dos cadeirantes (raros possuem enfermeira 24 horas, fisioterapeuta de plantão e motorista com carro adaptado), não se pode esquecer que vivemos num país em que a educação se dá mais pela TV do que pelos livros.
Logo, um programa de grande audiência que atinge as classes A, B, C, até Z, contribui muito para a inclusão social daqueles que, por não protagonizarem novelas, também não eram considerados protagonistas aqui fora. Formavam um elenco de apoio, 50 milhões de figurantes.
Não é nada, não é nada, Manoel Carlos deu projeção a uma linda Luciana que saiu das passarelas para a paraplegia, com o ineditismo de a personagem ter até blog e trocar ideias com os telespectadores como se o seu drama existisse de fato. Bizarro? Cafona? Pode ser. Mas hoje vejo com mais nitidez aquela moça que todo dia atravessa a rua manejando sozinha sua cadeira de rodas às sete e meia da manhã, engolindo poeira em meio a uma obra, e penso na falta que faz um outro tipo de passarela, uma rampa ou uma calçada bem pavimentada para aqueles que, diferenças à parte, também são personagens principais.
Martha Medeiros
Zero Hora 21/04/10
Bom fim de semana para todos que por aqui passarem.

19 comentários:

Unknown disse...

Nada como uma cronica da Martha Medeiros para encerrar esta sexta feira nublada.
Os canais de TV deveriam prestar mais atenção com os seus programas porque lém de informar servem de educadores para muita gente.
A Globo, principalmente na novela das 21 horas traz assuntos polemicos que nos fazem pensar além de nós mesmos.
Beijos e bom fim de semana.

chica disse...

Martha colocou muito bem todo esse problema!Lindo texto!beijos,ótimo fim de semana,chica

Wanderley Elian Lima disse...

Olá Mariana
Acho novela um atentado à minha paciência, não que eu seja metido a intelectual, mas realmente acho que nova subestima a nossa inteligência.
Já que não servem pra nada, pelo menos para colocar assuntos de interesse social, atualmente algumas delas têm prestado. Só isso.
Beijos

angela disse...

Tem razão em suas colocações e é importante pensarmos nas dificuldades dos que tem alguma deficiencia (poucos bão as tem) e falar sobre isso é o melhor caminho.
beijos

Daniel Savio disse...

Não é só as pessoas deficientes que acaba sendo apagadas, mas também a sem casa, se educação para ter um trabalho decente e por ai vai...

Fique com Deus, menina Mariana.
Um abraço.

Elaine Barnes disse...

Oi amiga voltei! Obrigada pela "inveja boa" no post das guerreiras e qdo vier a SP avise,quero te conhecer pessoalmente tb. rs...Então, acho que as novelas que tratam de problemas sociais louváveis por justamente fazer nos acordar para essa realidade que esbarramos e muitas vezes não vemos. Acho válida demais essa inclusão problemática nas novelas. Quem sabe assim todos despertamos e ajudamos,ninguém sabe o dia de amanhã.É bom que pensemos nisso com carinho e toda atenção. Montão de bjs e abraços

"Cantinho Poético" disse...

Eu sou assim, um raio, uma brisa, tenho a graça do mês de maio, a força das águias, mas sou tão pequena diante de todo o milagre. A VIDA.


(Sirlei L. Passolongo)


Um beijo sabor vida.....BOM FDS!!

...EU VOU GRITAR PRA TODO MUNDO OUVIR... disse...

Muito bem colocado o assunto.Na realidade só nos damos conta de certos problemas quando a mídia os expõe ou quando nos afetam diretamente.

Quantos vários deficientes em várias áreas vemos passar ao nosso lado e sequer os percebemos ou ,o que é pior ,fingimos não os ver!

Um dia eles existirão ,de verdade!!

Um beijo!

Sonia Regina.

Majoli disse...

Oi minha amiga, realmente a gente passa pelas pessoas e muitas vezes não a vemos.

Imagino a dificuldade encontrada por todos os deficientes.
Não fazia idéias deste número de deficientes, é algo assustador.

Tenha um bom final de semana, cheio de muita paz e muita alegria.

Beijos com carinho.

Pelos caminhos da vida. disse...

Se tenho uma coisa que sempre notei foram os cadeirantes, aqui mesmo no prédio onde moro, tem uma menina de 12 anos e é cadeirante, e acredite o sofrimento da avó dela para descer com a cadeira numa escada de 10 degraus e eu sempre questionando a ela: porque não fazem uma rampa aqui para facilitar a locomoção com a cadeira de rodas e para a senhora tb?
Ela me respondeu: os moradores daqui não aceitem e alegam que vai tirar a ESTÉTICA do prédio.
Nossa achei isso um CÚMULO, mas quem sou eu perante 39 moradores, aquilo me revoltou de uma maneira que fiz de tudo para colocarem a rampa e nada consegui, passado uns 2 anos a mulher de um morador ILUSTRE do prédio ficou doente teve várias complicações e acabou se tornando uma cadeirante, e acredite essa rampa saiu em questão de 1 més, agora fazem 5 meses que essa senhora faleceu e estão querendo tirar a rampa, outra briga para ela continuar e em cima disso uma proposta que achei nojenta(a rampa fica por mais um tempo, mas com uma condição: fazer manutenção sempre,caso contrário ela será desmanchada)), é ou náo REVOLTANTE isso?
Pessoas egoistas, mesquinhas,avarentas, o que elas pensam da vida? Desculpe o desabafo amiga.

Fim de semana iluminado.

beijooo.

ValériaC disse...

É flor...é preciso estarmos mais atentos ao mundo que nos cerca...muitas vezes as pessoas mal enxergam as outras na correria da vida. Temos que começar a enxergar...e mais que isso...Respeitar a todos.
Bom final de semana amiga!!!
Beijos...

ONG ALERTA disse...

Sabe faz quem quer...as pessoas não ligam porque não acontecem com elas ou com alguem próximo, isso se chama egoismo, só veem o que convém, pior é esse monte de políticos falando bobagens todos dia prometendo coisa e ver o ser humano e suas necessidades eles não conseguem...
Ano de elição votar porque, em quem, para que????Quem faz por nós???Vale a pena????

São só conviniências uns querendo ganhar mais votos que os outros ou cargos, ou poder, e a vida...onde fica ....

Daniel Costa disse...

Mariana

Dado que me porecupam muito as questões sociais, onde um grau de invalidez, por menor aue seja agrava mais, fiquei simplesmente estarrecido: 50 milhões no Brasil?
E creio que tanto aí, como aqui o Estado alheia-se muito.
Meu Deus!...
Beijos
Daniel

LUCIA HELENA LOPES DE AZEVEDO disse...

"Você tem cruzado por essas pessoas pelas ruas?"... sim, tenho e me admiro a cada dia com o descaso com que são tratados, principalmente pelas autoridades... é vergonhoso !!!
Acabei de postar texto novo, DÁDIVA DE VIVER...a autoria é desconhecida, mas o conteúdo é bastante rico...aguardo vc lá... um bj... **£ú®

legalmente loira... disse...

mariana,
o texto de martha medeiros é fantastico.
agora manoel carlos deixou a desejar a vida da personagem é muito facil.
conheço cadeirantes que enfrentam uma vida muito dificil no real não é nada facil não.o tema que aborda
é muito serio e precisa ser visto com mais seriedade por todos os seguimentos de nosssa sociedade.
lindo domingo e uma otima semana com carinho da amiga rita.
bjos.

Anônimo disse...

Martha Medeiros é maravilhosa em seus textos..fala da realidade de uma forma direta e leve ao mesmo tempo...

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Querida amiga Mariana.

Hoje a minha visita é para agradecer.
Nestes dias que celebro a minha vida,
tenho certeza de que a mesma
não teria o brilho de hoje,
se não fossem os amigos e amigas
que a tornam valiosa
mesmo que distantes.

A ti gostaria de dizer obrigado:
Obrigado pelas visitas ao meu blog.
Obrigado pelas palavras semeadas.
Obrigado por sentir os meus textos
com os olhos do coração.

Sou eternamente grato a vida,
por mais estes presentes
que de modo gentil
deixas em minha vida,
fazendo de mim uma pessoa melhor,
e pleno de felicidade.

Lindos dias de vida para ti.

Guará Matos disse...

De uns tempos para cá, assuntos médicos estão sendo bem abordados, ex: Câncer, Aids, Deficiências, físicas e mentais, etc. Também os sociais, ex: Orientação sexual, racial, religioso, etc.
Acredito que as novelas, apesar de estarem muito ruins, possam ajudar na conscientização e nos debates sobre diversos temas.
Bjs.

Carlos Albuquerque disse...

A indiferença, até mesmo o desprezo e a rejeição pelos que são diferentes, deficientes ou não, é uma marca das sociedades actuais. Há excepções, sim, mas ainda são uma gota de água.
Não admiro novelas (as brasileiras passam todas, ou quase, em Portugal), mas tendo em estar de acordo com a Martha Medeiros - elas podem sensibilizar-nos para alguns problemas sociais, embora de modo muito soft, acrescento.
BJS