domingo, novembro 01, 2009

O último a lembrar de nós

Amigos, neste domingo, dia de todos os santos, deixo aqui um texto para reflexão sobre a nossa "vida".
Desejo que este feriadão seja para todos cheio de paz, tranquilidade e amor.
Beijos e um grande abraço.

"Recentemente li Rimas da Vida e da Morte, do excelente Amós Oz, que narra os delírios de um escritor que, ao participar de um sarau literário, começa a olhar para cada desconhecido na plateia e a criar silenciosamente uma história fictícia para cada um deles, numa inspirada viagem mental. Lá pelas tantas, em determinado capítulo, o autor comenta algo que sempre me fez pensar: diz ele que a gente vive até o dia em que morre a última pessoa que lembra de nós. Pode ser um filho, um neto, um bisneto ou um admirador, mas enquanto essa pessoa viver, mesmo a gente já tendo morrido, viveremos através da lembrança dele. Só quando essa pessoa morrer, a última que ainda lembra de nós, é que morreremos em definitivo, para sempre. Estaremos tão mortos como se nunca tivéssemos existido.
Pra minha sorte, tive poucas perdas realmente dolorosas. Perdi um querido amigo há mais de 20 anos, e perdi uma avó que era como uma segunda mãe. Lembro deles constantemente, sonho com eles, busco-os na minha memória, porque é a única homenagem possível: mantê-los vivos através do que recordo deles. Daqui a 100 anos, ninguém mais se lembrará nem de um, nem de outro, eles não terão mais amigos, netos ou bisnetos vivos, eles estarão definitivamente mortos, e pensar nisso me dói como se eles fossem morrer de novo.
Aquele que compõe músicas, faz filmes, escreve livros, bate recordes ou é um Pelé, um Picasso, um Mozart, consegue uma imortalidade estendida, mas, ainda assim, será sempre lembrado por sua imagem pública, não mais a privada, não mais a lembrança da sua voz ao acordar, da risada, do bom humor ou do mau humor, não mais daquilo que lhe personificava na intimidade. Serão póstumos, mas não farão mais falta na vida daqueles com quem compartilharam almoços, madrugadas, discussões, já que essas testemunhas também não estarão mais aqui.
Alguém me disse: se você acreditasse em reencarnação, nada disso te ocuparia a mente. De fato, não acredito, e mesmo que eu esteja enganada, de que me serve a eternidade sem poder comprová-la? Se sou um besouro reencarnado ou se já fui uma princesa egípcia, que diferença faz? Minha consciência é que me guia, não minhas abstrações. Sou quem sou, sou aquela que pode ser lembrada. Não me conforta ser uma especulação.

É provável que ainda não tenha nascido aquele que será o último a me recordar, a rever minhas fotos, a falar bem ou mal de mim. Nem tive netos ainda. Qual será a data de minha morte definitiva? Não será a do meu último suspiro, e sim a do último suspiro daquele que ainda me carrega na sua lembrança afetiva – ou no seu ódio por mim, já que o ódio igualmente mantém nossa sobrevivência. Cafajestes e assassinos também se mantêm vivos através daqueles que lhes temeram um dia.

Nessa véspera de Finados, queria fazer uma homenagem a ele: ao último ser humano a lembrar de nós, a ter saudade de nós, a recordar nosso jeito de caminhar, de resmungar, o último a guardar os casos que ouviu sobre nós e a reter nossa história particular. O último a pronunciar nosso nome, a nos fazer elogios ou a discordar de nossas ideias. O último a permitir que habitássemos sua recordação. Bendita seja essa criatura, que ainda nos manterá vivos para muito além da vida.

Bendita seja essa criatura, que ainda nos manterá vivos para muito além da vida."
Texto da Martha Medeiros
Zero Hora 01/11


16 comentários:

Elaine Barnes disse...

Nossa que lindo!Concordo com tudo. A vida é feita para que intensamente desfrutemos dando o nosso melhor e aprendendo com ela. Levaremos apenas a consciência e que ela esteja limpa. Viver a vida dos outros, a emoção dos outros, nos faz perder muito da nossa existência. Ela é particular pra cada um. Um presente de Deus especial pra nós. Vejo gente se metendo, dando palpites do que é certo ou errado e se olharem pra si mesmos vai doer tanto que não se atrevem. É mais fácil viver a do "outro". Viver é se amar tanto por esse presente que veio gratuitamente de Deus, que não podemos cobrar nada só resplandecer, quem quiser luz a gente doa, de graça tb. Ajudar a quem quer ajuda, a solidariedade e humanidade são naturais quando valorizamos a vida. bjs amiga.

angela disse...

Isso tudo relativiza a nossa importancia e joga por terra a nossa arrogancia. Muito bom pensar sobre isso, é um exercício de humildade.
bom feriado
beijos

Ricardo e Regina Calmon disse...

Lindaço Mari Amaderrima Miga Nossa!

Viva Vida!

Merci pelo lindo comentário em blog meu!

Viva Vida !

bzussssssssssssssssss

Helena disse...

E tem toda a razão Mariana :)
Um beijo

mimbre disse...

Hola Mariana...
Muy buena entrada, AMIGA¡¡¡
Un buen tema para meditar en esta fecha tan especial, soy creyente que esta no es la unica vida, se que hay más...Esto que llamamos vida es una escuela, escuela que nos sirve para ser mejores cada vez que nos toca estar en ella¡¡
Un abrazo enorme y gracias por tus palabras¡¡
Osvaldo

Beatriz Prestes disse...

Para refletirmos e agirmos!
Show de texto!
Beijo
Bea

Eduardo Medeiros disse...

A Martha Medeiros, minha xará de sobrenome, sempre escreve coisas interessantes. Ela disse muito bem sobre a reencarnação: de que me adianta ter vivido antes, se aquele que viveu não sou mais eu?

A crença na ressurreição pelo menos nessa parte é mais interessante, pois é a pessoa mesmo que ressuscita, com sua consciência de que é ela mesma que de novo se fez.

Mas é claro, tudo isso são desejos da nossa alma por eternidade. Acredito que somos eternos. Que alguma coisa em nós, a consciência, ou o espírito, parmanece para sempre.

Mas é claro, só saberemos mesmo quando chegarmos lá.

Até lá, benditos todos os que nos carregam na lembrança.

boa semana,

abraços calorosos

Sofia Carvalho disse...

Relamente., parei aqui por acaso e sem dúvida que este teu texto dá matéria para pensar durante uma semana, Mariana!!
Palavras profundas ...gostei do que li;)
Beijinhos

Unknown disse...

Lindo post. Não concordo 100% pois acredito na reencarnação, sei que estamos aqui para aprendermos e nos melhorarmos.
Beijos no teu coração.

Anônimo disse...

Obridado pela visita em meu blog!
Adorei o seu!
Sempre voltarei!

Cadinho RoCo disse...

Enqaunto cristão creio na vida eterna e no poder da lembreança que sem dúvida nos coloca vivos numa outra dimensão, entre as pessoas.
Do seu comentário no Cadinho, Grussaí é o nome de uma praia situada num distrito do mesmo nome do município de São João da Barra, Estado do Rio Janeiro. Está no norte fluminense e sua localização não chega a ser dfícil. Pegue no mapa do Brasil onde desemboca o Rio Paraíba do Sul no mar e pronto, Grussaí está perto pertinho mesmo. Outra referência é localizar o Cabo de São Tomé, naquela espécie de calo que o mapa do Brasil tem no litoral do Estado do Rio de Janeiro. Grussaí está um poquinho para o norte do cabo, um poquinho só, antes do Estado do Espirito Santo.
Agora, se não localizar assim, jeito será ir ao Google mesmo.
Cadinho RoCo

Pensador disse...

Lindo texto, Mariana!
Ainda hoje comentei que se, ao morrermos deixarmos saudades e boas lembranças, então a morte será a coroação de nossas vidas.
Boa semana!

Lau Milesi disse...

Verdadeiríssimo Mariana, como tudo que a Martha diz e escreve.
Um beijo e parabéns pela escolha do texto... e da autora.

Renata de Aragão Lopes disse...

Estou IMPRESSIONADA!

"a gente vive até o dia
em que morre a última pessoa
que lembra de nós"

É EXATAMENTE o que escrevi
no poema "In memoriam",
publicado nesta madrugada
em meu blog!

Um abraço,
doce de lira

Desnuda disse...

Eu adoro os textos de Martha. E adorei ler este texto, mariana! Obrigada pela bela partilha.

Beijos

Renata de Aragão Lopes disse...

Tomei a liberdade de recomendar
a leitura deste texto! : )

Um beijo e obrigada
pela visita ao doce de lira.