terça-feira, agosto 30, 2011

O Morto Escuta

Sou místico, acredito no sobrenatural, em Deus, em anjos, fantasmas, duendes, rezo ao entrar no carro, faço sinal da cruz ao passar por igreja, enxergo coincidências e sigo rituais.
Quando pequeno, queria ser santo. Hoje, percebo que é difícil ser apenas um homem honesto.
Fiquei abalado pela história real de uma enfermeira mineira. Foi a descoberta espiritual mais importante de minha vida. Não dormi por duas noites seguidas relembrando as verdades ditas por aqueles olhos azuis enormes.
Ela trabalhou por 30 anos na Santa Casa de Misericórdia, cuidando e socorrendo pacientes terminais.
Confessou que a pessoa morre como ela viveu.
Os mais alegres têm despedida leve, tranquila, independente da enfermidade. Vão daqui para o outro lado sonhando. Não realizam drama, tampouco articulam chantagem. Tamanha a suavidade, não dá para identificar o último suspiro. Aceitam o destino, agradecidos pelo amor recebido.
Já os que estavam acostumados a reclamar de qualquer coisa também definham contrariados. Atolados de culpas e dívidas, esbanjam esgares de sofrimento, protestam pelas dificuldades adquiridas na doença, gritam a cada arrepio, lamentam ausência de atenção; o hospital nunca é bom, a dor sempre é insuportável.
Eles falecem com o rosto contraído, fechado, apunhalado. De quem apanhou da morte. Uma feição tensa, de escultura inacabada.
Mas, então, a enfermeira revelou um hábito surpreendente de sua equipe: conversar com o defunto.
Diante do morto sofrido, refratário e penoso, ela cochichava conselhos em sua orelha. Pedia para que ele reconsiderasse sua raiva, que desistisse da cara amarrada e emburrada, que se arrumasse para o velório e abandonasse o ressentimento.
Explicava que os familiares esperavam com ansiedade para vê-lo, que ele precisava se despedir bonito, que os parentes mereciam seu perdão e não valia a pena comprar briga por orgulho e teimosia.
Com as palavras delicadas de incentivo, não é que o morto ia soltando os traços e transformava a aparência na hora: libertava as bochechas, alforriava a boca, relaxava por completo.
O morto incrivelmente escutava. Entendia a súplica da enfermeira mesmo depois do seu fim. Atendia ao pedido e desinchava a amargura e serenava o espírito.
Nossos ouvidos não terminam com a morte. Continuam ouvindo onde quer que estejamos.

FABRÍCIO CARPINEJAR
Zero Hora 30/08/11

12 comentários:

chica disse...

Texto lindo e instigante do Capinejar! beijos,tudo de bom,chica

Wanderley Elian Lima disse...

Olá Mariana
É bem provável que isso aconteça mesmos, muitas vezes o espírito não abandona o corpo durante muito tempo.
Beijos

Verena disse...

Muito lindo e verdadeiro o texto,
Mariana
Eu acredito em vida após a morte,sim
Um beijinho carinhoso de
Verena e Bichinhos

Pensador disse...

Um texto interessante. E que dá muito o que pensarmos...
Beijo, Mariana!

GFuará matos disse...

Te convido esse espaço, venhaaaaa!
http://abordagenseimpressoes.tumblr.com
Se torna mais um a acompanhar.

Bjs.

LUCONI MARCIA MARIA disse...

Mariana que texto maravilhoso, e contém verdades incontestáveis,como é bom estar aqui, parabéns é muito obrigada por compartilhar,beijos Luconi

Mônica Bif disse...

Que forte. Texto maravilhoso mesmo!!! Realmente agente vê e escuta muitas histórias desse tipo nos corredores dos Hospitais. Eu nunca presenciei tais fatos. Mas lembro-me que meu primeiro trabalho como enfermeira num Hospital era a noite, os funcionários mais antigos sempre contavam histórias sobre o sobrenatural. A mais arrepiante eu achava a que eles contavam sobre a suposta presença espiritual de uma ex funcionária do Hospital que havia falecido. O seu ex colega sempre dizia, e jurava por tudo que é mais sagrado que era verdade. Num de seus plantões, havia medicado uma senhora, instalando um soro na paciente, e depois saiu para seu intervalo de lanche, ao voltar notou que a paciente estava sem o soro, e sem o acesso venoso. Daí perguntou a paciente do lado se ela sabia quem havia retirado o soro da paciente e ela disse que havia sido uma enfermeira, e de acordo com as tais características só podia ser a falecida, pois não havia nenhuma outra pessoa presente no Hospital naquele plantão com as devidas feições da "funcionária" que havia feito tal coisa. UI UI UI... E outras histórias sinistras tb corriam os corredores do Hospital. Acredite quem quiser... Rsss. Bju.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida

Um texto que daria para uma tarde de conversa...pessoalmente acredito que há mais qualquer coisa para além disto, porque nada faria sentido.


Deixo um beijinho com carinho
Sonhadora

maria claudete disse...

Nós não terminamos com a morte, perdemos apenas a "capa" material na qual estávamos revestidos. Nossos mortos no vêem se quiser saber, verdades nos são omitidas a este respeito por puro preconceito ou suposição de que não saberíamos como processá-las. A enfermeira tinha o "dom" desta percepção e sabia usá-lo.`Belo texto.Abraços.

Blog Luz por Roberta Maia disse...

Olá Mariana!!!
Eu sou mística, acredito em vida pós morte e tudo mais...
Amei seu Blog...vou ficar por aqui!!!

Tenha um Belo Dia Abençoado!!
Muita Luz!!!

Caca disse...

Oi, Mariana! É sempre um prazer renovado vir aqui ler o que você posta. Esse texto dá na gente uma vontade de aumentar ainda mais a alegria de viver de bem com todos e com a vida. Muito bom! Abraços. Paz e bem.

Esperança disse...

Boa tarde,

O texto faz a gente refletir sobre muitas coisas na vida da gente. Gostei muito de ter passado por aqui.

Abraços de luz