A construção das relações pessoais é regida por atitudes e comportamentos muito
claros e permanentes, e que determinam se os vínculos vão ser solidificados ou
implodidos.
Neste sentido, o sofrimento talvez seja o balizador mais
competente e inflexível. Isso porque não há exercício de aproximação entre duas
pessoas mais eficiente do que a solidariedade no desespero, nem instrumento de
aversão mais áspero do que o descompasso afetivo.
Carl Gustav Jung já
recomendava: “aprenda todas a teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar
uma alma humana, seja apenas outra alma humana”, porque é da sintonia afetiva
dessa relação que se estabelecerá uma interação emocional para ser lembrada com
carinho ou desprezo”.
A maioria das pessoas tem uma vida tão pobre de
emoções que uma doença grave, uma passagem pela terapia intensiva ou uma
cirurgia de grande porte têm grande chance de serem rememoradas como um marco
emocional na vida daquele indivíduo.
Se isso funciona assim, cuidado, meu
doutor, ao se aproximar de alguém que sofre, pois você será catalogado no
arquivo emocional daquele paciente conforme sua atitude afetiva. E esta
classificação não admite revisões.
Quando um médico apressado diz ao
paciente no corredor que ele tem um tumor e que depois passará no quarto para
conversar sobre o seu caso, esta relação está definitiva e irreparavelmente rota
porque foi negada a solenidade proporcional ao momento crítico da vida emocional
daquele pobre paciente.
E que ninguém seja ingênuo de supor que esta
ruptura possa ser consertada.
Para alguém fragilizado pela doença e
terrificado pela fantasia da morte, não há atropelamento afetivo mais doloroso e
inesquecível do que a desconsideração.
No extremo oposto, a recepção
solidária e carinhosa de dúvidas e medos, angústias e fantasias, tristezas e
esperanças, estabelece o vínculo mais sólido e definitivo que se possa imaginar.
E todos estes ingredientes estão ali, comprimidos naquele abraço prolongado
depois da primeira consulta.
Esta exposição de afeto é que dá ao médico a
rara oportunidade, entre todas as profissões, de conhecer verdadeiramente as
pessoas em pouco tempo de convívio, visto que premidas pelo sofrimento e pela
ameaça da morte, nunca têm animo nem motivação para aparentarem, e desnudas de
disfarce, elas simplesmente são.
Esse intercâmbio afetivo intenso, apesar
da fugacidade do encontro, enseja a oportunidade – para que aproveitemos ou não
– de nos tornarmos especialistas em gente, essa matéria-prima que se renova a
cada novo personagem, com sua história pessoal, às vezes caótica, às vezes
pungente, mas sempre rica, única e intransferível.
J. J. CAMARGO
Zero Hora 14/07/12
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