quarta-feira, março 13, 2013

Deus em Promoção


Pouca coisa me escandaliza, mas fiquei perplexa com o vídeo que andou circulando pela internet, que mostra um culto da Assembleia de Deus conduzido pelo pastor Marco Feliciano – sim, o polêmico
 presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o maior para-raios de encrencas da atualidade.

O vídeo mostra o momento da coleta de dízimos e doações, a parte mercantilista da negociação dos fiéis  com o Pai Supremo, de quem o pastor se julga uma espécie de contador particular, pelo visto. Entre frases  inibidoras, como “Você vai mesmo ficar com esse dinheiro na sua carteira?”, dirigida a pessoas da plateia, 
e estimulando que os trabalhadores cedam uma porcentagem do seu salário dizendo “Aquele que crê dá um jeito”, aconteceu: alguém entregou seu cartão de crédito nas mãos do pastor. No que ele retrucou: 
“Ah, mas, sem a senha, não vale. Depois, vai pedir um milagre pra Deus, Ele não vai dar, e aí vai dizer que Deus é ruim”.
Entendi bem? Deus está à venda? Cobrando pelas graças solicitadas?

Essa colocação do pastor bastaria para abrir uma CPI contra os caras de pau que, abusando da esperança  de gente sem muito tutano, arrecadam fortunas e depois vão fazer suas preces particulares em algum  resort em Miami. Quem dera houvesse um Joaquim Barbosa para colocar ordem nesse galinheiro  falsamente místico, mas quem ousa? Se essa simples crônica já sofrerá retaliações, imagine alguém peitar  judicialmente um representante de Deus, ou que assim se anuncia.
Religiosidade é algo extremamente respeitável. Cada um exerce a sua com a intensidade que lhe aprouver,  de forma saudável, a fim de conquistar bem-estar espiritual. Todas as pessoas religiosas que conheço, e são inúmeras, nunca precisaram comprar sua fé nem dar nada em troca – conquistaram-na gratuitamente  através de cultura familiar ou de uma necessidade pessoal de conforto e consolo que é absolutamente  legítima.
Religião é, basicamente, isso: conforto e consolo.

Já os crentes fazem parte de outra turma. São os que acreditam cegamente em pecado, castigo, punição e  numa recompensa que só virá depois de algum sacrifício. Quando não pagam em espécie, abrem mão de  prazeres terrenos como forma de penitência, para se tornarem dignos da vida eterna – que viagem.
É preciso ser muito iludido para acreditar que pagar a conta de luz é menos importante do que pagar pelo milagre encomendado a Deus através de seus “assessores” – e que, segundo o pastor Marco Feliciano, só será  realizado se você não tiver caído na malha fina do Serasa Divino.
O que fazer para tirar os crentes desse transe? Colocar na cadeia esses ilusionistas que se apresentam como  pastores? Duvido que ajude. A bispa Sonia e seu marido Estevam Hernandes foram condenados por lavagem  de dinheiro e de nada adiantou. Se fossem condenados por lavagem cerebral, quem sabe.
Zero Hora 13/03/13

segunda-feira, março 04, 2013

Infiltrações

"Aqui tudo parece que é ainda construção, e já é ruína”.

Conversava com um amigo sobre o vexame que foi a abertura daquele buraco no conduto Álvares Chaves na semana passada, durante um dos temporais mais enérgicos ocorridos em Porto Alegre, e nos veio à lembrança essa parte da letra da música Fora da Ordem, do Caetano Veloso. Não é o caso de tratar desse assunto isoladamente (por mais absurdo que seja o fato de um investimento tão alto numa obra de drenagem resistir apenas quatro anos), mas de analisarmos o contexto todo: vivemos num país maquiado, em que se as coisas “parecerem” benfeitas, já está ótimo.

A Arena também serviria como exemplo de uma obra entregue às pressas para cumprir calendário, mesmo sem condições básicas de uso. Mas também não pode ser visto como um caso isolado. Há outras tantas em andamento, todas com prazo máximo de 15 meses para serem concluídas (até o início da Copa), e me pergunto: o corre-corre não comprometerá o bom acabamento de viadutos, pontes, prédios e estradas? Com a intenção de viabilizar orçamentos, não se estará sacrificando a qualidade do material empregado? Os funcionários em atividade estão bem preparados ou fazem um serviço matado, a toque de caixa? Dá pra confiar na espinha dorsal do Brasil?

Há que se ter cuidado com infiltrações. De todos os tipos, aliás. Com a infiltração de inconsequentes em meio a uma torcida, capazes de disparar um artefato com poder destrutivo em direção a outras pessoas, sem levar em conta que o gesto poderá ferir gravemente alguém ou até mesmo matar – como matou o garoto boliviano de 14 anos. Com a infiltração de médicos e enfermeiros sem ética dentro de hospitais, que desligam aparelhos que mantêm vivos os pacientes, a fim de “desentulhar a UTI”. Com a infiltração de políticos desonestos nas entranhas do poder, que mesmo acusados por crimes diversos assumem cargos de presidência de instituições.

Por fora, bela viola. O Brasil hoje é visto como um país moderno e estável. É uma aposta mundial considerada certeira, um candidato VIP a juntar-se às superpotências. Mas como andará o esqueleto desse país que se declara tão sólido? Na verdade, o Brasil é um jovem com osteoporose precoce, um país descalcificado, que fica em pé à custa de aparências, comprometido com sua imagem pública, mas que segue com uma infraestrutura em frangalhos.
 Aqui pouco se investe seriamente em educação, em treinamento de pessoal, em qualificação de mão de obra, em fiscalização, em responsabilidade social, tudo o que alicerça de fato uma nação. Nossa mentalidade “espertinha” faz com que não gastemos muito dinheiro com o que fica oculto, com o que não dá para exibir. O resultado? Por dentro, pão bolorento.
Martha Medeiros
Zero Hora 03/03/13