"Estamos falando de tudo que é nosso, mas que teve que deixar de ser na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional
Quando o filme 127 Horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame. Quando a famosa cena se iniciasse, bastaria dar um passeio até a cozinha, tomar um copo d´água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da TV quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.
O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extremas, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito. Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida.
Muitos tiveram a sua grande rocha para mover e, não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.
Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas que teve que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.
Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o “Pedaço de Mim” da música do Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram que deixar para trás a fim de começarem uma nova vida. Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma amputação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo. Mas é mais provável que tenha faltado coragem.
Às vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho sangra. Machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.
Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvá-lo. 127 horas, 2.300 horas, 6.450 horas, 22.500 horas que se transformam em anos.
Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. E um cânion do qual é preciso escapar"
Fonte: Zero Hora 01/08/11
domingo, julho 31, 2011
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11 comentários:
Oi querida, bom te encontrar por aqui...
Ótimo texto, creio que é um fato que quase ninguém escapa de ter que vivenciar de alguma maneira, para emocionalmente sobreviver...e prosseguir vivendo.
Marca sim e fiquem arranhões ou grandes cicatrizes, nos amadurece também.
Bom domingo e ótima semana amiga...beijos
Valéria
Puxa, que texto forte e que faz pensar!
Bom te ver, já de volta, saudades,chica
belo artigo, gostei, bjinho terê.
Muito verdadeiro, este texto.
Nem sempre é fácil cortar o que nos faz mal. Mas é preciso.
Beijos!
Com certeza precisamos passar por muitas amputações nessa vida, e aprender a viver sem o membro perdido e ser mais feliz assim.
beijos.
Mariana, você voltou em grande partiipação. Isso dos rompimentos com partes de nós que não mais se sustentam é necessário para que o restante se sustente e funcione (quiçá melhor). Esta simbologia e analogia que você fez foi de uma felicidade enorme (apesar da dor, rsrs). Muito bom! Meu abraço. paz e bem.
Que texto incrivel!Tb não tive coragem de ver esse filme,mas depois de seu comentário vou ver se assisto,pois nos traz grande ensinamento!Adorei sua cronica!Bjs,
Que texto incrivel!Tb não tive coragem de ver esse filme,mas depois de seu comentário vou ver se assisto,pois nos traz grande ensinamento!Adorei sua cronica!Bjs,
Mariana, estava com saudades.
Tem momentos muito duros na vida, tão duros que a gente quer fechar os olhos, ir tomar um copo de água, pedir um refresco Quando acontecem com a gente não dá para pedir o refresco e o jeito é respirar fundo e fazer o que precisa e deixar a leveza e os ais para as situações menos graves.
beijos
Olá, Mariana!
A tomada de decisões, em nossas vidas, que vão gerar mudanças, e consequentemente transtornos, é dolorosa. Mas, mudanças são imprescindíveis, para que a vida siga o seu curso. Às vezes, a partir da dor, conhecemos a felicidade, a realização... paradoxo? Parece, mas, é assim que acontece. A constatação não é imediata, mas, com o tempo percebemos o ganho provindo da amputação.Excelente texto.
Um abraço
Socorro Melo
Querida amiga
O ritmo
das palavras,
precisa de tempo
para acalmar
e colocar
em ordem
o turbilhão de ideias,
sentimentos,
desabafos,
da vida
por tras do texto...
Viver é sentir os sonhos
com o coração.
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