No Colégio Júlio de Castilhos aprendi uma canção francesa chamada Sob as Pontes de Paris (Sous les Ponts de Paris). Dizia mais ou menos o seguinte: “Sob as pontes de Paris/ quando desce a noite/ toda a sorte de vagabundos se infiltra sorrateiramente/ e ficam felizes de encontrar onde dormir”.
...Mesmo muito pobres as pessoas acabam achando uma casa; nem que seja um barraco na periferia. Morar na rua é opção, e resulta, sobretudo, de uma vida infeliz. Quase a metade dessas pessoas tem problemas familiares; 70% vivem sós, uma situação para a qual colaboram o alcoolismo e as drogas.
Ou seja: não é só uma questão social, é mais complicado que isso.
Qual é a condição básica para viver, ou sobreviver, em baixo do viaduto? Eu diria que é a indiferença. Para essas pessoas, aquilo que incomoda a classe média em absoluto não conta. A falta de privacidade, por exemplo. Tudo que os moradores de rua fazem é público, tudo. Eles estão ali, comendo, ou bebendo, ou dormindo, ou fazendo as necessidades, absolutamente indiferentes ao olhar dos outros. Há quem não consiga conciliar o sono com barulho; não é o caso deles. Por sobre suas cabeças, no viaduto, ruge o tráfego urbano, intensíssimo num país em que o carro se tornou um indicador maior de progresso e de afluências. Isso não impede que durmam (é claro que a cachaça atua como um sonífero poderoso).
Também a noção de propriedade para eles é diferente. Sim, têm as suas coisas, que em geral cabem num carrinho de supermercado – em todas as partes do mundo os gerentes desses estabelecimentos já devem ter aceito com resignação o fato de que tais carrinhos serão sumariamente confiscados. Mas, por outro lado, muitas vezes deixam essas poucas coisas abandonadas. Na manhã do domingo passado passei sob o viaduto da Silva Só, onde vivem muitos habitantes de rua. Detive-me a contemplar um colchão. Era um colchão de espuma, velhíssimo, esburacado. Sobre ele, um cobertor, igualmente velho, esburacado. Mas, e esse foi o detalhe que me impressionou, e comoveu, o cobertor estava cuidadosamente dobrado, caprichosamente dobrado. Pensei então no homem ou na mulher que o havia dobrado.
Ao fazê-lo, talvez num ato automático e reminiscente de uma infância quem sabe vivida de uma maneira melhor, essa pessoa colocara um pouco de ordem em sua vida. Uma partícula de ordem, por assim dizer, mas que deve ter contribuído para restaurar algo da dignidade que existe em qualquer ser humano, por mais precária que seja sua existência. Ao ver o cobertor dobrado, a pessoa deve ter ficado satisfeita consigo mesma: eu não sou um traste completo, eu sou alguém, ainda existe esperança para mim.
Ou seja: sob os viadutos de Porto Alegre, como sob as pontes de Paris, a vida resiste."
Autor:Moacyr Scliar
Fonte:jornal ZH
PS:Neste final de semana eu não consegui acessar a página do blogspot(somente sábado pela manhã).Tomara que este problema tenha acabado.
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18 comentários:
Observações sensíveis. Prova que o autor não é indiferente ao problema.
Há esperança.
Bjs.
Scliar é maravilhoso e tocou bem nesse problema!beijos,tudo de bom,chica
Não podemos ficar indiferentes a isso, a essa ferida da sociedade, mas o que fazer? enquato politicos roubam o povo passa fome....
p.s. tenho recebido muitos emails dos amigos blogueiros, me parece que é geral esse problema de acesso ao blogspot....
beijos e uma bela semana pra ti.
Minha querida Mariana
Obrigada pelo seu carinho sempre no meu cantinho.
Tenho andado um pouco afastada, mas as festas dão esse resultado, mas estão em meu coração.
Que 2010 lhe traga tudo o que deseja.
Bijinhos
Sonhadora
Vc sempre surpreendento com a sua sensibilidade.
Adoro passar por aqui!
Mariana,
Obrigada pela companhia neste ano
que está chegando ao fim
Com dignidade sem trebulência
Desejo um mundo melhor
o homem ponha a inteligência
ao serviço do amor
e que o dois mil e dez
o ano que vem ai a chegar
lhe traga agora desta vez
aquilo que mais desejar
Um beijinho grande,
José
Mariana, na Igeja aqui do bairro, todo dezembro é feito um almoço para 1000 moradores de rua. É uma festa muito bonita embora triste, pois acho, como diz o ditado "angu de um só dia não engorda cachorro magro", as jovens da igreja duas vezes por semana levam sopa a este moradores. No dia da festa um ônibus vai buscá-lo e levá-los ao seu lugar de moradia. A gente vai fazendo o que pode tentando minimizar um pouco o sofrimento dessa gente.
Beijos
Oi amiga,
Obrigada por fazer parte da minha lista de amigos virtuais. Tem sido um honra compartilhar das suas idéias.Que o ano de 2010 seja permeado da doce presença do Senhor Jesus Cristo em nossas vidas e em nossas palavras. Por que nós em nós mesmos somos pequenos e medíocres. Mas que Ele em nós faça a diferença e promova a transformação que o mundo precisa.
Bjos minha linda e mais uma vez muito obrigada.
Mariana. Passou o Natal, e com ele, aquela sensação de acomodar num só dia o atraso de bondade e humanidade do ano inteiro.
Façamos diferente. Que possamos destilar um pouco desse espírito natalino em doses diárias no ano que se inicia.
Obrigada pela convivência maravilhosa em 2009. Que esta amizade seja renovada em 2010. Beijos.
Uma situação de vida complicada.Conheci alguns moradores de rua que não gostavam dessa opção, aceitavam morar em outros locais. Mas as regras e a convivencia forçada com outras pessoas nem sempre é suportavel. Tem aqueles que a rua é seu lugar de total liberdade em que se livram de obrigações sociais, mas muitos muitos mesmo, tem seus pertences e prezam e cuidam deles e tem seus animais de estimaçao que sao melhores tratados que eles proprios.
Tem os cheios de indiferença anestesiados pelo alcool ou outra droga qualquer.
Vou parar por aqui é assunto demais para um comentário.
Legal trazer esse tema para refelexão.
beijos
É um ciclo vicioso que tem que ter fim...
Que o ano que vai se iniciar seja o melhor da sua vida, como farei ser da minha...
Feliz 2010
Venho desejar-lhe continuação de BOAS FESTAS e um NOVO ANO de 2010 cheio de novidades e muita saúde...
Beijinho para si
e obrigada pela sua presença no meu Blog.
Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que nos dá, mas pelo que nos revela de nós mesmos.
Boas festas!
bjs
Mariana precisamos mudar a educação deste país, mostrar as pessoas que o trabalho é digno e´pode proporcionar uma vida melhor, claro que temos de ter mais empregos, mas as pessoas tem de querer trabalhar também, em muitos casos eles preferem pedir ou até roubar é mais fácil, enfim não vou me alongar porque não teria fim, vem um ano de eleição vamos ver se vale a pena votar em alguem que se preocupe coma vida, ao meu ver não tem....
Mariana!
Assunto importantíssimo! Mas muito difícil de resolver. Até por que falta vontade política!
E a população só aumenta! Mas as soluções para os problemas ficam nas gavetas.
Feliz 2010, minha flor!
Bjkas!!!
Maravilhosa Amiga:
Ah, esse colchão parece falar. Tem inúmeras histórias de vida a contar a quem o quiser escutar.
VOCÊ é uma "ternurinha" ENORME.
Que peso fica na nossa consciência..?
Quantos remorsos por não poder ajudar a Humanidade que sofre?
Se fosse no mundo de Platão: "A República" plena de utopia, tudo seria perfeito. Cidadãos perfeitos numa cidade perfeita.
Olhe, amiguinha, você tem um valor gigantesco.
Um Post apelativo a um novo recomeçar.
Adorei. Deve ser um Ser Humano lindo e fabuloso.
Beijinhos amigos.
Sempre a respeitá-la. Cada vez mais pelo seu ímpar humanismo numa pessoa admirável e fascinante.
Com uma consideração do tamanho do mundo.
Excelente 2010 extensivo à sua família.
Sempre com um enorme desejo de a ler.
pena
Bem-Haja, linda amiga!
Os fatos estão em nossa frente o que mudam são os olhares.
Feliz ano Novo.
Aprendizes.
Acho que vida resiste em qualquer lugar, seja até num, deserto...
Mas é ruim a situação do pessoal que mora na rua, pois não sei o que é mais triste, não ter familia com ele, ou a familia com eles.
Fique com Deus, menina Mariana.
Um abraço.
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